Uma das melhores bandas das quais (quase) ninguém ouviu falar: Prefab Sprout
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Desde a sua infância na década de 1960, o britânico Paddy McAloon ouvia o trabalho de compositores como Gershwin e Burt Bacharach e sabia que era aquilo que ele queria fazer: criar canções. Quando ele conheceu o trabalho de Brian Wilson com os Beach Boys, sua ambição ganhou uma nova escala: então era possível montar um grupo pop e transformar um disco de rock em uma obra de arte?
Paddy acabou montando o Prefab Sprout — a banda mais conhecida da qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar. Suas canções já foram gravadas pela Cher, Kylie Minogue ou Lisa Stansfield, e eles gravaram um disco que é considerado por muitos (inclusive eu) como o melhor disco da década de 80: Steve McQueen (Two Wheels Good). Mas, ironicamente, se você fala sobre a banda, pouca gente manifesta saber do que se trata. O Prefab Sprout é um dos segredos mais bem guardados da música pop. Entretanto, seu séquito de ouvintes discretos, porém fiéis, não para de crescer.
Além das músicas incríveis, com um estilo único, outras coisas chamam a atenção no Prefab, como a integrante Wendy Smith, que não toca nenhum instrumento: apenas faz backing vocals em algumas músicas (nem todas). Em vários posters e capas da banda, Wendy aparece sozinha, como se fosse a vocalista. Quando, na verdade, a tímida integrante mal dança nos shows, ficando em um canto do palco olhando as pessoas. O jeito espontâneo e pouco afetado fez com que a cantora se tornasse uma presença icônica e adorada pelos fãs da banda.
Outro integrante que vale a pena citar aqui é o baixista Martin McAloon (irmão de Paddy), cujos arranjos de baixo minimalistas estão sempre a serviço do que as canções pedem. As linhas de Martin são uma enorme influência para mim, devo confessar. Eu o vejo como um dos baixistas mais incríveis da cena do pop britânico oitentista.
Não é apenas o nome do Prefab Sprout que faz com que a banda pareça tão peculiar. Em suas composições de harmonias estranhas, os temas das letras são incrivelmente inventivos e pitorescos. Dessa geração, talvez nem mesmo Morrissey (dos Smiths) foi tão literário em suas abordagens. Paddy escreve sob diversos pontos de vista, e não tem medo de falar de elementos sombrios da vida humana. Para citar aqui apenas dois dos inúmeros temas, uma das letras fala de uma noiva perdida no fundo do mar, e outra conta a história do maior ladrão de joias do mundo.
Logo nota-se que o Prefab não era uma banda talhada para as rádios. Apesar disso, o grupo fez um sucesso considerável na segunda metade dos anos 80. Contudo, ao longo dos anos, a banda foi cada vez mais diminuindo suas atividades, uma vez que Paddy foi acometido de duas diferentes doenças degenerativas: um descolamento de retina o deixou cego por algum tempo (depois ele recuperou parte da visão), e, em seguida, a síndrome de Meliére lhe provocou vários efeitos de saúde, afetando sobretudo sua audição.
Em 2001, o Prefab faz seus últimos shows ao vivo. Paddy não consegue mais ensaiar com amplificadores e sons de banda em uma sala. Imaginem só o tamanho dessa situação para alguém que idealizou sua vida através do sonho de ter uma banda e compor canções pop.
Apesar dos pesares, McAloon criou meios para continuar gravando, com a ajuda de softwares e sintetizadores. Hoje em dia, o Prefab Sprout se resume a um isolado Paddy que vive recluso no interior da Inglaterra, lentamente idealizando e gravando seus discos. Nas suas últimas aparições públicas, o cantor parecia um profeta mod ou um Hermeto Paschoal dandy, com enormes barbas e cabelos grisalhos, trajando bengala e ternos vermelhos. Em 2017, postou um vídeo surpresa no You Tube cantando e tocando violão, e percebe-se que sua linda voz continua intacta.
Outro fato intrigante para os fãs é que especula-se que o Prefab tem inúmeros discos gravados e nunca lançados, vários deles conceituais e com títulos intrigantes. Os fãs falam de tais trabalhos em detalhes, como se os discos existissem, veja só. A extensa lista dos discos imaginários conta com pérolas como Behind the Veil (um álbum conceitual sobre um encontro entre Michael Jackson e Lady Di presos em um elevador durante um ato terrorista), Atomic Hymnbook (canções gospel), 20th Century Magic (“uma trilha sonora para a mentalidade milenial”), Femmes Mythologiques (sobre mulheres famosas da história), Total Snow (“uma sinfonia de flocos de neve” — álbum de natal), ou Digital Diva (que Paddy quer gravar usando um vocalista virtual). Alguns desses discos longamente especulados foram lançados há alguns anos, e são realmente incríveis, como Let’s Change the World with Music (de 2009, álbum conceitual sobre o poder da música), e o mais recente (e fabuloso) Crimson/Red, de 2013.
Nos dias atuais, o Prefab pode não ser a mais conhecida das bandas, mas tem uma legião de fãs fiéis que veneram sua discografia. Sites como Sproutology e vários fóruns se debruçam em debater o significado de suas canções ou em compartilhar b-sides da banda nunca lançados oficialmente. Quando o discreto irmão Martin anunciou alguns shows solo para tocar músicas do Prefab, os ingressos se esgotaram em horas. Fica claro que, se Paddy recuperasse milagrosamente sua saúde e o Prefab pudesse tocar ao vivo com sua formação clássica, eles certamente seriam capazes de tomar o posto que lhes é merecido: de uma das maiores bandas de pop e rock de todos os tempos.